O sensacionalismo no trabalho de comportamento canino.

Nunca, em toda a história do mercado de trabalho com cães, houve tanto sensacionalismo em torno de temas relacionados à questões de comportamento canino e suas possíveis soluções. A cada dia que passa vemos mais propagandas sendo feitas polarizando opiniões e criando uma mentalidade irracional no que diz respeito ao convívio e trabalho com cães. 

Toda essa propaganda se resume à um posicionamento social humano que tem por trás explicações, que nada tem a ver com os cães em si. Vamos ver aqui, em detalhes, exatamente o que está acontecendo, e porque precisamos estar atentos para não cair nessa armadilha emocional. 

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O apelo dos cães abandonados;

Falar de cães abandonados (independente da raça) é um dos grandes gatilhos emocionais, afinal, quem não fica com o coração partido quando sabe que um cachorro foi abandonado? As fotos, os vídeos, as imagens e às vezes até a cena do abandono são determinantes para conquistar o apoio de muita gente. Mas e ai? O que acontece depois? 

Muitos desses cães tem um histórico complicado, alguns nasceram nas ruas e outros nem tiveram contato significativo com humanos, logo, não tem a menor do idéia de como interagir no universo real urbano. Normalmente os grupos ou pessoas que recolhem esses animais não tem experiência ou conhecimento de trabalho comportamental suficiente para ajudar esses cães no processo de adaptação na nova vida, mas, ficam tão presos ao passado e origem do cão que se negam a ter um olhar objetivo para tratar dos problemas de forma efetiva. 

A partir daí entram as chamadas propostas sensacionalistas de ajuda, prometendo um trabalho apenas baseado em "recompensa", que exclui do processo de aprendizado a introdução de controle com aversivos (correções), privando assim o cão da real oportunidade de entender as limitações e regras do mundo real. 

Resultado: o cachorro aprende algumas coisas, e performa nos termos dele, e quando erra, apenas é privado de recompensa, nunca aprendendo a noção de consequência por atos negativos e perigosos. Se esse cão continua com comportamento negativo em escala, a justificativa volta a ser colocada no passado e no histórico dele, e às vezes até em supostos "problemas neurológicos" irreversíveis ou apenas tratados com medição.

Os humanos envolvidos no processo são vistos como heróis humanitários que trataram do caso com muito carinho. A não entrega de um resultado satisfatório, ou seja, um cachorro bem treinado e apto a viver em sociedade, não é questionada já que o histórico do cão passa a ser a justificativa eterna para seu resto de vida de privações, satisfazendo assim as emoções humanas, que precisam ser alimentadas por aqueles cães que eternamente sofrem e se tornam espelho de suas frustrações. 

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O apelo dos extremos e a desinformação;

Quantos de vocês já viram propagandas usando imagens drásticas de cães claramente tratados com extrema violência e negligência, sendo usadas para promover a repulsa do público quanto ao uso de equipamentos que permitem o treinamento com correções? 

Essas imagens circulam na internet há anos e são frequentemente usadas para apelar para o lado emocional das pessoas, que não tem como ter outra resposta a não ser a repulsa e aversão à tudo que está ligado à aquele cenário. Além de imagens, alguns textos emotivos e apelativos são usados com muita frequência para formar opiniões em relação à uma possível proposta de treinamento e trabalho de comportamento canino. Vejam alguns exemplos:

  • "Você prefere que seu cão seja enforcado ou educado?"

  • "Você acredita que seu cão deve aprender com motivação ou com trancos na guia?"

  • "Você quer um cachorro que seja seu companheiro feliz ou que seja seu animal submisso?"

Parece mentira mas esses anúncios existem. Essa é uma técnica antiga usada para gerar respostas óbvias que levam o consumidor para um pequeno corredor aonde só existe uma saída; o serviço daquele "salvador" que vai transformar seu cachorro usando apenas estímulos "positivos". Esse apelo é clássico, e nos dias de hoje, se encaixa perfeitamente numa sociedade aonde o uso de exemplos extremos são aplicados na tomada de decisão geral, sem maiores questionamentos. Afinal, quem vai ousar questionar uma proposta tão atraente? Quem vai querer se posicionar no lado do "vilão" que enfoca os cachorros? 

Resultado: o apelo funciona, esse serviço é contratado. O cachorro, novamente, aprende algumas coisas, mas, o problema real continua ali. Seja reatividade, agressividade, comportamento destrutivo ou qualquer outra questão mais séria, esses problemas continuam existindo. Com base no apelo inicial, se a filosofia de trabalho for mantida, a família será orientada a priorizar o lado emocional do cachorro, ou melhor, dela mesma. Todos os problemas serão mascarados por trás da inabilidade ou suposta fragilidade do animal. Corrigir jamais! Medicar talvez.

Mais uma vez vemos o ciclo se repetir. Dessa vez, o prestador de serviços fica meses trabalhando o caso, e sem muita evolução, eventualmente vai embora, deixando a culpa do não progresso na falta de dedicação da família ao invés do método e práticas propostas em si. O cachorro, que deveria ser o foco do trabalho, é esquecido, e volta para sua vida de limitações e exclusão. O prestador de serviços continua ganhando audiência com seus apelos, e seu trabalho sem sucesso fica escondido na gaveta junto com muitos outros já esquecidos, afinal, a culpa não é dele, é da família que ficou sem solução. 

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O apelo dos sinais de "emoções" do cachorro. 

Recentemente muitos de vocês já devem ter visto temas que debatem os sinais de emoção dos cães. Esse argumento é muito usado quando se mostra, como exemplo, casos de cães que estão sendo treinados com o uso de correções. Nesses casos as imagens de cães educados são explicadas com os seguintes argumentos: 

  • "olha como ele tá triste, tadinho!"

  • "coitado, ele tá deitado no canto... deve estar deprimido."

  • "olha o rabo pra baixo, ele deve estar com medo.."

Esse argumento é último recurso usado para derrubar a visão de um trabalho que realmente traz resultados. Mesmo com o resultado real, materializado em vídeo ou pessoalmente, algumas pessoas vão tentar encontrar, ou interpretar, um sinal de que o cachorro não está "feliz" ali. Se o cachorro não está correndo, não está pulando, não está pedindo carinho ou brincando, ele, com certeza, está passando sinais de emoções negativas. 

Esse é o exemplo clássico de uma visão distorcida e antagônica do que está claro na nossa frente. É um reflexo real de que existe uma inclinação clara de enxergar problema aonde não existe, de projetar emoções aonde só existem reações, e de fazer do cachorro um espelho do seu sentimento de fragilidade e necessidade de ser o "salvador" de uma causa que precisa ser perdida.

Veja que para essas pessoas, não basta ver um cachorro bem educado, que respeita as pessoas, que não invade o espaço de ninguém e fica no seu espaço numa boa. Se essa realidade for vista não existe um problema, está tudo bem. Mas se está tudo bem, como essa pessoa pode ser vista como um ser que tem compaixão, que luta pela "causa dos animais" e está ali para salvar esses lindos seres dos "maus tratos"? Isso é inconcebível! Temos que achar o problema para sermos úteis. Mesmo que seja projetando suas próprias emoções num animal que nada tem a ver com seus problemas pessoais. 

Resultado: Esses são os casos aonde terceiros fazem com que famílias, que estão no caminho certo, questionem seus relacionamentos e práticas com seus cães. Esse é o mesmo processo de alienação social que acontece quando temos opiniões que diferem da maioria. O grupo confronta sua postura e limita sua participação e presença no contexto até que você se renda e abra mão do que acredita para ser aceito. Esse processo de manipulação de mente, muitas vezes, faz com que cães entrem num processo de regressão e, de fato, comecem a apresentar problemas de comportamento, que antes não existiam. 

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Em resumo, fiquem atentos. Todos os exemplos que citei acima são situações reais que já passei durante meu histórico de trabalho com cães e famílias no mercado de uma grande cidade como São Paulo. Isso acontece diariamente e é fácil cair na armadilha quando não temos experiência e perspicácia para enxergar o que está por trás dessa agenda. 

Sensacionalismo é uma arma perigosa, que serve como gasolina numa enorme máquina de manipulação social. Busquem o equilíbrio emocional na hora de tomar decisões, sejam objetivos e avaliem expectativas e resultados reais.

Para vocês que são profissionais da área, sejam transparentes e evitem fórmulas de marketing apelativas. Quem faz um bom trabalho e mostra resultados não precisa disso. Para vocês que estão procurando ajuda com seus cães, façam uma pesquisa detalhada antes de contratar um profissional ou empresa. Procurem exemplos de trabalho real na prática, e vejam que tipo de material é exibido em sites e redes sociais. Uma boa análise objetiva pode ser determinante para o real sucesso do trabalho comportamental com seu cão.