Ansiedade de separação em cães - um sintoma de múltiplos problemas.

Falar sobre ansiedade de separação em cães parece ser repetitivo, mas se faz necessário, já que, infelizmente, vemos esses casos se multiplicarem na velocidade da luz, muitas vezes sem a real compreensão das famílias sobre o que de fato acontece com o cão em questão. 

Hoje eu vou explicar a ansiedade de separação de uma forma mais simples e objetiva, mostrando como esse problema é nada mais do que um sintoma que aponta para outras questões, primordialmente relacionadas à forma como o cachorro vive com a família, seu ambiente e os hábitos que são nutridos dentro dessa rotina. 

As pessoas categorizam cães com ansiedade de separação de acordo com respostas de comportamento que o cão apresenta, especialmente quando deixado sozinho, ou distante dos membros da sua família. Essa é uma abordagem inicial, mas não completa. O motivo pelo qual não podemos limitar nossa interpretação apenas por esse ângulo é porque estaríamos apenas considerando o sintoma sem procurar a real raíz do problema - normalmente hábitos ruins que são alimentados ao longo do dia. 

Vamos mais à fundo e falar sobre hábitos, práticas de convívio e intervenções. 

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De onde vem a ansiedade de separação? 

Eu sempre digo que a coisa mais fácil do mundo é criar um cão ansioso. Basta trazer o animal para viver com você, dar toda a liberdade e recursos do mundo pra ele, não apresentar qualquer tipo de limitação ou restrição e ser permissivo por completo. Esse cão vai criar associações diversas, de acordo com a sua própria percepção, e se ele for um indivíduo um pouco mais inseguro, logo ele vai buscar no humano essa sensação falsa de conforto e segurança. 

Porque essa seria uma sensação falsa? Vamos ver como funciona a criação de associações para entender melhor como essa resposta falsa é criada; 

Quando trazemos o cão para a nossa casa, pela primeira vez, muitas vezes não pensamos que o cão nada entende sobre vida doméstica urbana. Esses primeiros dias são de descoberta para o cachorro, e sem a nossa clareza de direção, o cão já pode ficar muito confuso. Coisas simples como aonde dormir, aonde beber água, aonde usar o banheiro, quando e aonde comer, podem ser um grande quebra cabeças para um filhote, ou novo cão naquele ambiente. 

Além das coisas básicas estamos falando de novos estímulos e situações que, muitas vezes, esse cão nunca presenciou, como barulho de televisão, máquina de lavar, liquidificador, secador de cabelo, música alta, sons de panelas batendo, o cheiro de comida no fogão, o barulho da campainha ou interfone, os vizinhos e etc. Tudo isso pode ser muito assustador, ou muito interessante, de acordo com a personalidade de cada cão. 

Se considerarmos tudo isso dentro da etapa inicial da vida do cão, é quase que lógico acreditar que não podemos deixar que o cão “se vire” sozinho dentro desse universo de novidades. É preciso, desde o primeiro dia, guiar o cachorro dentro desse novo ambiente para que ele aprenda a fazer as escolhas certas. Por isso o espaço do cão é tão importante - é aqui, já nessa primeira fase, que entra a caixa de transporte a vida do cão. 

Uma das primeiras associações que o cão precisa criar na vida de família é: aonde é o meu lugar seguro? Pra onde eu vou quando eu quero dormir, descansar, ou mesmo quando não tenho certeza do que fazer numa situação mais nova ou desafiadora? Caixa de transporte. Esse é o seu lugar, o seu canto sagrado aonde você pode descansar e ficar seguro, quando eu, humano, não estiver aqui para te guiar. 

Claro que não é possível termos esse diálogo verbal com o cão, já que ele não fala nosso idioma, logo essa comunicação vai acontecer de forma manual, ou seja, nós vamos fisicamente colocar o cão na caixa em múltiplas situações da nossa rotina, especialmente na primeira fase do cão na nossa vida - independente da idade. 

A caixa de transporte deve ficar dentro da nossa casa ou apartamento, de preferência num ambiente neutro, como um segundo quarto, ou escritório. Considere ventilação e climatização, já que os cães tem temperatura corporal muito mais alta do que a nossa, logo, um ambiente com ar condicionado é o ideal já que assim podemos controlar a temperatura do ambiente e garantir que o cão vai estar seguro e confortável. 

Uma vez que estabelecemos esse lugar de descanso e pausas, está na hora de pensar sobre o que fazer com esse cão quando ele estiver fora da caixa - lembrando que o ponto aqui é mostrar como o cão cria associações, e como ansiedade pode, ou não surgir.  

Quando for a hora de tirar o cão da caixa, lembre que ele não vai saber ainda aonde é o banheiro, aonde ele pode beber água, comer ou por onde ele pode transitar, por isso, a guia é tão importante. Quando eu falei sobre guiar o cachorro eu quis dizer guiar mesmo, ser um guia, uma referência de informação, e claro que para fazer isso acontecer com o cachorro, vamos precisar de um equipamento que nos permita fazer essa função, já que o cão não entende nosso discurso verbal. 

Na fase inicial - ou na fase de reconstrução - você faz parte de todas as escolhas que o cachorro faz, desde o momento que ele sai da caixa, até a hora que ele volta pra lá. Isso significa que você leva o cão para usar o banheiro com a guia, você leva o cão para beber água com a guia, você alimenta o cão com a guia e o cão te acompanha nos seus movimentos dentro de casa com a guia. Parece que eu estou aqui descrevendo um treinamento de filhotes, mas na verdade, esses protocolos são válidos para todos os cães, especialmente na fase de reconstrução. 

Quando eu falo em fase de reconstrução eu estou falando sobre cães que já criaram associações ruins e precisam re-aprender - isso não tem idade e pode acontecer com cães jovens ou mais maduros. 

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Mas o que tudo isso tem a ver com ansiedade? Tudo! Lembrem que ansiedade de separação, como qualquer outra ansiedade, tem sua raízes em incertezas ou antecipações, ou seja, ela surge quando o cachorro ainda não tem uma associação correta criada sobre sua rotina e as coisas que vão fazer parte da sua vida, inclusive os momentos aonde os humanos vão estar ausentes. 

A fase de construção, ou reconstrução de associações, serve para que nós possamos ver como o cão reage diante de todas essas situações, e se ele mostra ou não objeções em cada cenário, e que tipos de intervenções são necessárias para que ele entenda a sua mensagem. É aqui que se constrói a fundação de tudo. 

Nesta etapa vamos ver o lado peculiar de cada cachorro. Alguns cães aceitam muito bem essa direção e se mostram mais confortáveis com esse formato, já que assim não existem dúvidas e o cão entende que essa dinâmica garante a sua segurança. Já outros cães vão mostrar um certo grau de objeção - é aqui que vemos os cães que vão latir, chorar, gritar, se jogar no chão e absolutamente lutar contra qualquer tipo de regra estabelecida. Esses cães nem sempre são inseguros, mas tendem a ganhar essa “briga” porque são cães que já experimentaram privilégios desde cedo e não querer abrir mão deles. 

Vejam como eu expliquei no início o processo necessário de introdução do cão na vida com família, com mais restrições e direção. Quando trabalhamos dessa forma, a chance de vermos a ansiedade surgir é muito pequena, porém, sabemos que boa parte das famílias não começa a vida com seus dessa forma, logo, vamos falar dos famosos privilégios antes da hora, e porque eles representam um papel importante na resposta de ansiedade dos cães. 

O primeiro, e grande erro, que as pessoas cometem quando trazem um cão para viver dentro da vida de família é justamente essa definição de espaço. Muita gente acredita que apenas colocar um portão na cozinha e deixar o cachorro no perímetro da área de serviço e cozinha é o suficiente, afinal ali tem água, banheiro, cama e comida. O problema dessa escolha é que, esquecemos que o cão ainda não sabe que o tapete higiênico, ou jornal, deve ser usado como banheiro, ele não sabe que a cama é para ele dormir, e não tem a menor idéia sobre o que ele deve fazer até a hora que você vai voltar. Nesse tempo de sua ausência ele tem todo esse espaço - cozinha e área de serviço - para se movimentar e fazer escolhas, ou seja, existe uma chance muito grande de ele errar, se agitar, latir, chorar, gritar até você voltar. 

Nessa hora as pessoas se desesperam, e muitas vezes trazem o cachorro para o quarto, ou deixam o cachorro livre para que ele possa estar na presença dos humanos, “para se acalmar”. Vejam como nesse momento, a associação que o cachorro cria é: você me deixou num espaço com várias coisas que eu não conheço e saiu, eu entrei em desespero, fiz uma bagunça nesse espaço e você voltou, me deu mais liberdade e me trouxe para perto de você.  Conclusão, você não me explicou com clareza o que eu precisava fazer, mas você validou a minha resposta de incerteza quando eu gritei e fiz confusão, me trazendo para perto de você. Logo, quando mais inseguro eu for, mais intensa vai ser uma minha reação nesses momentos da sua ausência, e mais rápido você volta e me “resgata” desse problema que você mesmo criou. Problema, Reação, Solução - está criada a associação. 

Vejam como nós humanos, muitas vezes criamos um problema desnecessário, apenas pela percepção errada que temos sobre o processo de aprendizado e domesticação dos cães. 

Um cachorro que aprende dessa forma, vai replicar essa resposta em diversas situações. Quando os humanos precisarem sair de casa, a resposta desse cão tende a ser exatamente a mesma, já que ele experimentou essa sequência antes e funcionou. Mesmo quando os humanos estão em casa, esse cachorro vai ser sempre aquele elemento sombra, que vai seguir a pessoa o tempo todo pela casa, buscando esse sensação de segurança criada lá atrás. 

Quando o cão chega nesse patamar, é quando as pessoas se dão conta que existe um real problema, já que agora sair de casa é quase impossível e a família, e o cão, se tornam reféns dessa situação. Mesmo quando esse cão saí para caminhar com os humanos, normalmente ele tende a ter respostas mais explosivas diante de situações novas, e muitos desses cães se tornam hostis no universo social urbano. 

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A solução para casos assim não é complexa, mas envolve um elemento importante desse equação: a percepção humana sobre essa reconstrução. Um elemento venenoso nos casos de ansiedade de separação em cães é justamente a sensação, muitas vezes inconsciente dos humanos, de validação emocional que vem com esse problema. Muitas vezes a família relata o problema com frustração, mas, existe ali um elemento pessoal que é alimentado no ser humano quando o cão se torna dependente, nesse grau, da presença da pessoa. É essa validação que muitas vezes impede a pessoa de aplicar as mudanças de hábitos necessárias para reverter esse quadro no cão. 

Na prática, cães com esse grau de ansiedade, precisam voltar para a estaca zero e começar tudo de novo, como se fossem filhotes novamente. A grande diferença aqui é que vai ser preciso não apenas criar novas associações, mas corrigir e extinguir as antigas. Isso requer correção, sem frustração, sem raiva, apenas com a objetividade que precisa ser aplicada para ajudar o cachorro nessa situação. 

Eu enfatizo a questão da correção porque agora estamos falando de um cachorro que vai absolutamente protestar para ficar na caixa de transporte, vai protestar porque vai querer subir no sofá, vai protestar porque quer subir na cama, e vai protestar todas as vezes que você apresentar situações novas. Lembre que isso funcionou lá atrás e o cão absolutamente vai tentar de novo. Esses são casos aonde um treinamento adequado com o uso dos equipamentos de treinamento corretos, como e-collar e prong collar, vão fazer toda a diferença para criar essa comunicação clara que faltou lá atrás. 

Eu toquei no ponto crucial sobre percepção humana porque é agora que os humanos são testados. Muitas das pessoas que reclamam dos cães ansiosos tem muita dificuldade em lidar com os momentos de correção, e é justamente por isso que elas desistem e acabam mantendo o cão dentro do ciclo de ansiedade por muito mais tempo, e às vezes para o resto da vida, apenas por essa inabilidade de ver o cachorro passar por esse processo de reconstrução. É curioso porque aquilo que parece ser um problema enorme, passa a ser uma coisa aceitável, já que a possibilidade de corrigir o cachorro passa a ser assustadora demais para esse humano lidar, ou seja, a solução (restrição e correções) passa a ser o problema e o real problema (ansiedade de separação) para a ser a aceitável solução. Percepção - pura e simples.

O ponto principal da abordagem feita aqui é mostrar que ansiedade de separação é apenas um sintoma que os cães apresentam como resposta, com base numa série de associações criadas sem a devida intervenção humana. Para todos esses cães falta direção clara, uma comunicação eficaz, um conjunto de regras que fazem sentido e trazem consequências, positivas e negativas, dentro das escolhas feitas por esse cão, e além de tudo, uma dinâmica de convívio mais saudável, aonde o cão entende de verdade o seu lugar na vida da família, sem fantasias, e sem conflitos de informação. 

A solução, na prática, para esses casos envolve muitas variáveis, já que ficou claro como os hábitos de cada cão com suas famílias são peculiares e cada humano tem sua percepção, por isso, nesse texto não vou entrar nessa etapa, mas quero deixar claro que, sim, esses casos tem solução. Muitas vezes não é bonito, muitas vezes o cão vai passar por momentos de estresse, e muitas vezes vai ser difícil, mas tudo isso é necessário. Cães assim se beneficiam muito com um treinamento intensivo e absolutamente podem se tornar cães melhores e mais aptos a viver uma vida de família com mais tranqüilidade, mas a família precisa estar tão apta quanto o cão a passar por esse processo de reconstrução. 

Se você tem um cão com ansiedade de separação, procure ajuda profissional. Revise seus hábitos, e se necessário, procure ajuda pessoal para você também. Muitos de nós vivemos num universo de isolamento social, com poucas relações pessoais reais, e isso tem afetado bastante a forma como vivemos com nossos cães. Nós humanos também precisamos revisar o que acontece dentro de nós, na nossa cabeça e nosso coração. Muitas vezes, essas nossas reflexões vão nos mostrar aonde estão as nossas falhas de percepção, e porque estamos colocando nos cães uma expectativa que, na maioria das vezes, nada ter a ver com eles, mas sim, com outros elementos de nossas vidas que estão escondidos e ofuscados em algum lugar que só nós conseguimos encontrar. 

Lembrem que existem duas etapas importantes para resolver problemas; reconhecimento e atitute. Reconhecer que o problema existe é o primeiro passo. Atitude é a iniciativa de fazer acontecer a mudança necessária. Se você está pronto, siga em frente, faça acontecer, por você e pelo seu cão.