Reabilitação de cães: as etapas de reconstrução do relacionamento.
O trabalho de reabilitação, ou modificação comportamental de cães é complexo. Cada caso é particular e tem características que envolvem o histórico de comportamento do cão, a relação e rotina com a família, o ambiente aonde o cachorro viveu até então e as associações já criadas em situações diferentes.
Normalmente pensamos em reabilitação apenas quando falamos de casos que envolvem agressividade ou reatividade extrema, mas, na realidade, muitos cães com sintomas que parecem mais leves teriam um grande benefício num programa como esse. Quais seriam esses casos?
Cães com ansiedade
Cães com dificuldade na condução (andar/puxar na guia)
Cães que latem de forma excessiva
Cães com reatividade à manipulação corporal
Cães inseguros
Cães sem noção de vida social urbana (cães criados em áreas isoladas)
Dentro de um programa de reabilitação a idéia é reconstruir as associações que o cão tem com o mundo de forma geral, desde hábitos de convívio domésticos até questões comportamentais específicas como as citadas acima. Isso acontece com a construção um novo relacionamento baseado em confiança.
Uma relação baseada em confiança consiste em criar uma nova rotina de aprendizado para o cachorro, quebrando o processo em etapas simples com exercícios que reforçam a relação do cão com o humano. Na primeira etapa, a idéia não é enfrentar o que o cão tem de pior, mas sim construir práticas aonde o cachorro comece a entender, de verdade, o que você quer dele. A prática de comandos de obediência simples, num ambiente neutro, é uma ótima forma de começar. Já nessa primeira fase é fundamental que o cão esteja numa rotina bem estruturada, sempre com supervisão, para garantir que ele não vai cometer erros.
No vídeo abaixo vocês podem ver um relato bem bacana do Brian Agnew, uma das grandes referências no trabalho comportamental com cães na California, EUA.
O progresso de um bom trabalho de reabilitação requer uma boa fundação de relacionamento para que o cão entenda que pode confiar em você humano para obter uma orientação clara do que fazer em situações diversas. Os primeiros dias são de adaptação de convívio e aprendizado de exercícios simples com práticas constantes para fundamentar bem o padrão de resposta do cão.
Conforme a relação evolui iniciam os novos desafios. Nessa etapa já se pode introduzir o cão a situações mais desafiadores (específicas de cada caso) e testar a resposta com base no que já foi criado. Por que esperar e não enfrentar os problemas mais sérios de cara? Se não criamos uma relação de confiança com o cachorro, nem um padrão de resposta em exercícios mais simples, ele não tem base nenhuma para responder à uma intervenção num momento crítico, já que não existe um histórico de resposta consistente. Muitas vezes essa intervenção é até necessária, dependendo da circunstância, porém, é essencial podermos quebrar as etapas de aprendizado para termos resultados duradouros.
Com a introdução de cada desafio, e um resultado de sucesso, as intervenções feitas tendem a ser mais leves, mais objetivas e menos frequentes já que o cão entende o que é esperado dele, e começa a fazer melhores escolhas com base na confiança das orientações inicialmente introduzidas.
No vídeo a seguir vocês podem ver um resumo de um processo de reabilitação de dois cães feito por Tyler Muto no centro de treinamento em Buffalo, NY.
A conclusão a ser tirada aqui é que um bom processo de reabilitação precisa de equilíbrio, de sensibilidade para entender o cachorro e seu contexto de convívio. O tempo de conclusão depende de cada caso e de como e aonde o trabalho vai ser feito. Cães que passam por esse processo integralmente com um profissional podem ter de 4 a 8 semanas de trabalho em estadia constante. Para os casos aonde o cão fica com a família e tem apenas o acompanhamento profissional frequente, o período pode ser mais longo. A chave aqui é criar uma mudança expressiva nos dois lados, o humano e o canino.
Mudanças são difíceis, desconfortáveis, e demandam muito mais de nós do que dos cães. Esse é um trabalho que drena muita energia e requer muito equilíbrio interior. Existem altos e baixos, dias melhores e piores, e se manter motivado é um desafio, mas é assim que se reconstrói uma relação. O resultado não é um cachorro novo, mas sim uma nova relação, com novas referências que devem ser preservadas e cultivadas com práticas diárias até o fim da vida. O trabalho nunca acaba, ele apenas é transferido como aprendizado para a família do cão.