INcoerência no trabalho de comportamento canino.

Olá pessoal! Continuando a nossa série IN, hoje vamos falar um pouco sobre a famosa incoerência, e como essa característica afeta diretamente o trabalho comportamental dos cães. 

Muito de nós, que estamos nessa jornada longa de educar famílias e seus cães, já nos vimos em cenários aonde somos chamados para ajudar na resolução de problemas caninos mas encontramos uma certa resistência na hora de eliminar certos hábitos que são gatilhos ou raízes dos problemas reais. Essa é a famosa incoerência que muitas vezes precisa ser tratada de forma bem detalhada com a família para que o resultado, de fato, se materialize com o cão em questão. 

Vamos ver aqui alguns exemplos desse tipo de situação;

1. Cães que pulam nas pessoas: esse é um sintoma comum que acontece com a maioria dos cães que vemos hoje. Os cães ficam agitados com a presença de pessoas no ambiente, e por não saberem se controlar e não terem uma orientação prévia do que fazer nessa situação, eles se empolgam e pulam nas pessoas para cheirar, investigar e interagir. Para muitos clientes, isso não se apresenta necessariamente como um problema, já que esse comportamento é visto e interpretado como alegria, e desencadeia no humano em questão uma sensação recompensadora de ser "amado". Quando falamos de cães de porte médio ou grande, isso pode gerar um certo desconforto, mas a coisa fica mesmo complicada quando os pulos vem junto com mordiscadas passando assim a mudar de conotação. 

Para mudar esse comportamento é preciso criar um novo padrão, aonde o cão precisa entender que ele não pode pular e deve ficar no seu espaço até que o humano indique de forma contrária. Para isso acontecer é preciso que os humanos estejam dispostos à abrir mão dessa sensação de "felicidade" que se manifesta quando o cão pula. 

Aonde está a incoerência?  

O comportamento dito como problema causa uma sensação positiva para o humano e é auto recompensável para cão já que não há uma correção ou orientação prévia de comportamento adequado. Quando sugerida uma nova alternativa que envolva a renúncia da sensação positiva humana com uma nova postura, e a introdução de correção para o cão para inibir o comportamento, o humano rejeita pois se sente mal por ter que abrir mão da sua sensação e ter que aplicar disciplina no cão.  


2. Cães que puxam na guia: esse é outro exemplo bem comum. Muitos cães não tiveram uma boa introdução de condução na guia, ou não foram introduzidos à atividade da caminhada de forma correta. Não foi visto ou, devidamente observado e trabalhado o estado mental do cão antes da saída e o cão aprendeu que empolgação, agitação e impulsividade são os elementos que precedem o passeio. Chegando na rua o comportamento se auto recompensa já que quanto mais ele puxa, mais ele anda. Normalmente esses são cães que usam equipamentos não recomendados ou adequados (como coleiras peitorais) que apenas reforçam o comportamento de puxar, nascendo assim o problema estabelecido de puxar na guia. 

Nesse caso a mudança só vai acontecer se for introduzido ao cão a ideia de que empolgação, agitação e impulsividade não precedem a caminhada, e toda e qualquer manifestação desses sintomas será um obstáculo para sua saída. A introdução de um equipamento adequado para a caminhada é feita e as novas regras são apresentadas. 

Aonde está a incoerência?

Em muitas dessas situações vemos uma resistência por parte dos humanos em fazer o cão esperar, em criar um estado mais calmo, que requer paciência e limitação de movimentos, e em usar equipamentos adequados como guia unificada, prong collar, e-collar, enforcador etc. Ou seja, é querer resultados sem fazer mudanças reais de hábito, práticas e uso de equipamentos que podem beneficiar o resultado final.


3. Cães reativos à outros cães ou pessoas: esse é outro problema que tem se tornado cada vez mais comum. Muitos cães são criados com todos os privilégios, não são introduzidos aos conceitos de respeito de espaço e controle de impulsos cedo, e são introduzidos à outros cães e pessoas estranhas de forma incorreta. Assim, entre outras características, surgem os cães reativos. Esses são casos mais difíceis, que muita vezes podem apresentar riscos para outras pessoas, outros cães e até mesmo o cão protagonista do caso. 

Muitos desses cães apresentam outros problemas em paralelo, como comportamento possessivo com os donos, latidos excessivos, comportamento destrutivo entre outros. Uma análise inicial com a família vai mostrar até aonde o problema se extende, mas, quando falamos de resoluções para casos assim, vamos falar de mudanças de efeitos drásticos, para os dois lados. 

No caso do cão, estamos falando de remover privilégios como acesso livre na casa, acesso ao sofá e cama da família, comida à vontade, brinquedos à vontade, escolha de circulação e movimento no ambiente doméstico à vontade entre outros. Além disso é preciso introduzir o cão à novos conceitos de hierarquia através de exercícios e práticas diárias. 

No caso da família é essencial que tudo descrito acima seja posto em prática, já que essas mudanças na vida do cão precisam ser implementadas por humanos. Além disso, a família tem que estar disposta a abrir mão de momentos de afeto e permissividade que tem um enorme efeito no comportamento do cão, como permitir que o cão durma na cama, permitir que o cão fique sempre seguindo e cercando as pessoas da casa, permitir que o cão faça o que quer durante os passeios ou na presença de estranhos ou outros cães, entre outros. 

Aonde está a incoerência?

Em casos assim, muitas vezes vemos uma resistência grande ou até uma certa inabilidade por parte dos membros da família em colocar em prática essas indicações. Existe uma confusão grande quanto ao impacto do lado "positivo" da relação humana com o cão na resolução dos problemas reais de comportamento apresentados. Mais uma vez vemos uma expectativa de solução sem a motivação real ou intenção de modificação de práticas e hábitos no relacionamento e convívio com o cão. 


Em todos os exemplos acima, estamos falando de situações aonde o convívio com o cão se torna complicado, existe um desejo de encontrar uma solução, mas apenas aquela aonde não haja renúncias, e isso não é real. 

É importante entendermos que hoje, com o alcance da internet, existe muita informação disponível, e pouca gente dedica um tempo real para pesquisar o que é, de fato, eficaz e coerente quando falamos de problemas de comportamento canino. Isso acaba criando um impacto grande no seu cliente, que muitas vezes, não sabe por onde começar, ou não entende porque certas medidas são necessárias. Quando chegamos nessa barreira, o importante é deixar claro como os cães funcionam, e qual o real impacto que temos na modelagem do comportamento deles ao longo da vida. Saber apresentar nossa proposta e mostrar as possibilidades é nosso trabalho. Aceitar e colocar em prática cabe ao cliente. 

Muitas vezes, quando não há acordo, o melhor é seguir em frente. Todo trabalho de modificação comportamental de cães deve ser feito em parceria, entre a família e o profissional, todos de acordo e dispostos a seguir a mesma linha de atuação para o beneficio do cão. Quando não é possível vencer a incoerência, entendemos que não há lugar para soluções reais, e mesmo sabendo que o cão vai pagar parte desse alto preço, devemos respeitar o posicionamento da família e seguir para o próximo caso. 

Dica importante: para evitar esse tipo de problema, crie uma clara apresentação do seu trabalho, seja no seu website, nas suas redes sociais ou na sua forma de divulgação. Explique como você trabalha, no que você acredita, como você conduz seus treinamentos e quais resultados você pode oferecer. Assim, quando um novo cliente chegar por essas vias, ele já vai ter uma idéia de quem você é e como seu trabalho funciona, evitando conflitos e frustrações para ambos os lados. Para os clientes que vierem de outras vias e não tiverem referências suas, você já tem um material pronto para enviar antes de começar essa relação. 

Incoerência é apenas o outro lado de uma grande virtude: a coerência, que nos permite avaliar cenários e tomar decisões de forma mais realista e eficaz entendendo a lógica de cada etapa.

Como profissional nosso papel é educar, orientar, mostrar caminhos e ajudar, mas lembre; para existir um professor é preciso existir um aluno disposto à aprender. Se essa porta estiver trancada, siga em frente. Há sempre alguém ao longo do caminho que vai apreciar tudo que você tem para ensinar. 

E vocês? Já passaram por situações parecidas? Caso sim, conta pra gente como foi aqui nos comentários.